Você está no meio de uma execução, buscando reaver o que é seu por direito. De repente, descobre que o devedor transferiu aquele único bem que poderia garantir seu crédito. Coincidência? Ingenuidade? Ou puro cálculo? A resposta, para além do juridiquês, mora na velha conhecida do processo civil: a fraude à execução.

O tema parece técnico – e de fato é. Mas também é profundamente humano. Porque no fundo, estamos falando de escolhas feitas por quem sabe que deve e, ainda assim, decide burlar o sistema.

E aqui vem o ponto de virada: não é preciso ter penhora registrada para que haja reconhecimento da fraude, como decidiu o STJ no REsp 1.981.646/SP. No caso, o devedor transferiu um imóvel para a própria filha menor de idade, com o claro objetivo de se tornar insolvente. Ainda que não houvesse penhora averbada na matrícula, a Corte reconheceu a fraude, destacando que a má-fé do devedor ao blindar seu patrimônio dentro da própria família já é suficiente para configurar a burla à execução.

Essa decisão não é uma exceção. Ela consolida uma linha interpretativa que reconhece a essência da fraude não no ato isolado da alienação, mas no contexto em que ela se insere.

Por outro lado, vale lembrar o teor da Súmula 375 do STJ, que cristaliza esse entendimento com equilíbrio:
“O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.”

Esse posicionamento reforça a necessidade de proteger o credor sem abrir mão da segurança jurídica dos negócios realizados com terceiros de boa-fé. É um ponto de tensão constante: entre a prevenção de abusos e a preservação da confiança.

Diante disso, cabe perguntar: será que estamos prontos para lidar com a complexidade moral que esse tema impõe? Porque, no fim das contas, a fraude à execução não é apenas uma falha técnica – é um reflexo de condutas estratégicas e, muitas vezes, desleais.

Na EFFORT, gostamos de pensar o direito para além das fórmulas. Por isso, ao tratar de temas como esse, nosso olhar vai além da jurisprudência: buscamos enxergar as entrelinhas, os silêncios, os movimentos. E principalmente, destacar o papel que cada um de nós — advogados, juízes, partes e sociedade — tem em construir um sistema que valorize não só o cumprimento formal da lei, mas o espírito que a sustenta.

Por Vitor Coelho

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